6 de novembro de 2013

Quando se sente amor



Depois da saída dos filhos de casa, do jardim, das roupas e do pudo bem cuidados, Ana pensou se ainda era possível ser amada, ainda que seu marido nunca estivesse em casa a não ser na hora de dormir. 
De frente ao espelho dançava em lágrimas "My way", abraçada ao vestido azul cetim mergulhou nas lembranças de sua mocidade: sentiu falta de sua feição sedosa e de como ficavam os seios no decote. Nesse dia aromatizou o quarto de lavanda, trocou os lençóis e ascendeu o abajur que antes só era utilizado naquelas noites especiais. Deitou, sabendo que nem tão cedo o marido chegaria e entregou-se a si mesma. Sentiu pela primeira vez, desde o rompimento do hímen, uma magia lhe envolvendo a alma de uma tal forma que repetiu tudo para comprovar que aquilo não era sonho. E antes de adormecer, decidiu que a partir de amanhã seria a mulher mais amada do mundo.

5 de novembro de 2013

A espantosa aventura de Vladimir Mayakovsky



Como cento e quarenta sóis o sol-pôr resplandece,
Julho bem entrado,
um calor
pesado
na dacha.
Curvava-se o cabeço de Púshkino
para o morro de Akúlov,
e no sopé da colina –
uma aldeia
torcendo-se em telhados de casca.
E atrás da aldeia –
um buraco,
e a esse buraco, certamente,
descia o sol todas as tardes,
lentamente.
E no dia seguinte
de novo
a inundar o mundo
erguia-se vermelho.
E dia após dia
terrivelmente a irritar-
-me
lá estava
ele.
E assim enfurecendo-me um dia,
de raiva fiquei pálido
e gritei:
‘Vai-te!
Chega de preguiçar no Inferno!’
E prossegui:
‘Parasita!
Entre as nuvens sem fazer nada
e eu aqui – há tanto tempo
sentado a desenhar cartazes!’
E ainda:
‘Espera!
Escuta, ó cabeça doirada,
porque não deixas essa vida,
e não vens até minha casa
tomar chá?’
O que eu fiz!
Estou tramado!
Para minha casa,
como um boi manso,
estendendo os raios-passos
andou o sol nos campos.
Não quero mostrar receio –
e retirar-me de costas.
Mas já estão no quintal os seus olhos.
Já anda no meu quintal.
Pela janela,
pela porta,
pelas gretas
escorre a massa do sol,
tudo invade;
e tomando alento,
começou a falar:
‘Afasto-me do fogo
pela primeira vez desde a criação.
Chamaste-me?
Então vamos ao chá,
ao chá, poeta, com geleia!’
Eu estava com lágrimas nos olhos –
meio louco de calor
mas apontei-lhe o samovar:
‘Então,
senta-te, astro!’
O diabo tirou da manga a minha audácia
de lhe gritar –
desconcertado,
sentei-me no meu canto,
temendo o pior!
Mas os estranhos raios do sol
Correram, -
e a minha tensão
esquecendo,
sentei-me, a conversar
com o astro calmamente.
Falei disto,
daquilo,
da horrível ROSTA,
mas o sol:
‘Muito bem,
não te zangues,
encara as coisas com simplicidade!
E eu, julgas
que brilhar
é fácil?
Experimenta!
A mim
disseram-me que fosse brilhar,
e eu brilho com toda a gana!’
Demos assim à língua até ao escurecer –
isto é, até à noite passada.
Que escuridão esta!
Em ‘ti’
há eu e tu, coragem.
E não tardámos
a ficar amigos.
Bato-lhe no ombro.
E o sol também:
‘Tu e eu
somos camaradas!
Vamos, poeta,
olhemos,
cantemos
neste mundo tão chato.
Eu ponho a minha luz solar,
e tu – a tua
em versos.’
As paredes de trevas,
as prisões da noite,
sobre a terra serão esmagadas pelos nossos dois ataques.
A desordem de versos e de luz –
brilha naquilo que atinge!
Cansa-se então,
e quer
dormir,
esquecer no sono.
De repente – eu
com toda a força brilho –
e de novo o dia nasce.
Brilhar sempre,
brilhar em toda a parte,
até ao dia em que a fonte da vida se esgote,
brilhar –
e é tudo!
É o nosso lema – meu
e do sol!

Tradução de Manuel de Seabra. 

*Esse poema é uma das coisas que me ligam espantosa e lindamente à Olga Benário. Esse é seu poema favorito e quando descobri ao ler sua biografia e assistir ao filme "Olga", fui imediatamente transferida para um tempo-espaço que até hoje não consigo explicar. Só sei que Olga é uma parte de mim. Sei apenas que é esse poema que nos une espantosa e lindamente (principalmente na parte grifada).

3 de novembro de 2013

Fim de amizade



Eu te falei que segurasse a onda e você não me levou a sério. Agora cá estamos nós sem saber o que fazer com essa bendita sensação. Perdemos o controle em nos olhar, perdemos a vontade de ficar quietos, de conversar. Lamento então, pela amizade que construímos.

1 de novembro de 2013


Por que quando o amor congela é necessário que o/um outro lhe encontre a razão.