Como
cento e quarenta sóis o sol-pôr resplandece,
Julho bem
entrado,
um calor
pesado
na dacha.
Curvava-se o
cabeço de Púshkino
para o morro de
Akúlov,
e no sopé da
colina –
uma aldeia
torcendo-se em
telhados de casca.
E atrás da
aldeia –
um buraco,
e a esse buraco,
certamente,
descia o sol
todas as tardes,
lentamente.
E no dia
seguinte
de novo
a inundar o
mundo
erguia-se
vermelho.
E dia após dia
terrivelmente a
irritar-
-me
lá estava
ele.
E assim
enfurecendo-me um dia,
de raiva fiquei
pálido
e gritei:
‘Vai-te!
Chega de
preguiçar no Inferno!’
E prossegui:
‘Parasita!
Entre as nuvens
sem fazer nada
e eu aqui – há
tanto tempo
sentado a
desenhar cartazes!’
E ainda:
‘Espera!
Escuta, ó cabeça
doirada,
porque não
deixas essa vida,
e não vens até
minha casa
tomar chá?’
O que eu fiz!
Estou tramado!
Para minha casa,
como um boi
manso,
estendendo os
raios-passos
andou o sol nos
campos.
Não quero
mostrar receio –
e retirar-me de
costas.
Mas já estão no
quintal os seus olhos.
Já anda no meu
quintal.
Pela janela,
pela porta,
pelas gretas
escorre a massa
do sol,
tudo invade;
e tomando
alento,
começou a falar:
‘Afasto-me do
fogo
pela primeira
vez desde a criação.
Chamaste-me?
Então vamos ao
chá,
ao chá, poeta,
com geleia!’
Eu estava com
lágrimas nos olhos –
meio louco de
calor
mas apontei-lhe
o samovar:
‘Então,
senta-te,
astro!’
O diabo tirou da
manga a minha audácia
de lhe gritar –
desconcertado,
sentei-me no meu
canto,
temendo o pior!
Mas os estranhos
raios do sol
Correram, -
e a minha tensão
esquecendo,
sentei-me, a
conversar
com o astro
calmamente.
Falei disto,
daquilo,
da horrível
ROSTA,
mas o sol:
‘Muito bem,
não te zangues,
encara as coisas
com simplicidade!
E eu, julgas
que brilhar
é fácil?
Experimenta!
A mim
disseram-me que
fosse brilhar,
e eu brilho com
toda a gana!’
Demos assim à
língua até ao escurecer –
isto é, até à
noite passada.
Que escuridão
esta!
Em ‘ti’
há eu e tu,
coragem.
E não tardámos
a ficar amigos.
Bato-lhe no
ombro.
E o sol também:
‘Tu e eu
somos camaradas!
Vamos, poeta,
olhemos,
cantemos
neste mundo tão
chato.
Eu ponho a minha
luz solar,
e tu – a tua
em versos.’
As paredes de
trevas,
as prisões da
noite,
sobre a terra
serão esmagadas pelos nossos dois ataques.
A desordem de
versos e de luz –
brilha naquilo
que atinge!
Cansa-se então,
e quer
dormir,
esquecer no
sono.
De repente – eu
com toda a força
brilho –
e de novo o dia
nasce.
Brilhar sempre,
brilhar em toda
a parte,
até ao dia em
que a fonte da vida se esgote,
brilhar –
e é tudo!
É o nosso lema –
meu
e do sol!
Tradução de Manuel de Seabra.
*Esse poema é uma das coisas que me ligam espantosa e lindamente à Olga Benário. Esse é seu poema favorito e quando descobri ao ler sua biografia e assistir ao filme "Olga", fui imediatamente transferida para um tempo-espaço que até hoje não consigo explicar. Só sei que Olga é uma parte de mim. Sei apenas que é esse poema que nos une espantosa e lindamente (principalmente na parte grifada).